segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Escritora joinvilense volta-se à infância para discutir bullying

A "garota distraída" Vanessa Bencz
Foto: Material de divulgação
A jornalista Vanessa Bencz, que se tornou escritora por meio da crônica literária, começou 2014 com um novo projeto e uma “nova” personagem. Explorando a linguagem das HQs, Vanessa vai contar histórias da Menina Distraída – uma versão infantil d'A Garota Distraída, personagem dos primeiros livros da autora.

Relato do Sol
Memórias de uma jornalista distraída

A temática do novo trabalho é o “bullying”, uma palavra nova para uma prática bastante antiga, que deixou marcas em muitas crianças, como a própria escritora, que resolveu contá-las depois de participar de bate-papos com estudantes. A troca de experiências com crianças e adolescentes gerou cumplicidade e algumas das histórias reais vividas por eles serão contadas no novo projeto. Na parte técnica, Vanessa se juntou aos designers e ilustradores Fabio Ori e Denny Fischer.

Nova personagem, novo formato e também uma nova forma de financiamento. Vanessa quer bancar a obra por meio de financiamento coletivo online, que será aberto a partir do dia 6 de março. Saiba mais sobre o novo trabalho de Vanessa Bencz na entrevista abaixo:


Você está lançando um novo projeto, com uma nova temática, que é o "bullying". Conte-nos, por favor, como chegou até ele e porque decidiu investir nesse projeto.

Eu demorei para entender que sofri bullying na adolescência. É engraçado porque, quando as coisas não tem nome, elas vivem em uma dimensão abstrata e vaga. Quando essa palavra começou a pipocar na imprensa e na boca dos professores e psicólogos é que eu entendi. Quando comecei a pensar sobre a expressão “bullying”, levei um susto. De repente, me vi vítima. E eu não gosto desse papel, porque geralmente é carregado de fraqueza e submissão. E eu não me considero nada disso. Quando lancei meus livros, em 2012, comecei a visitar as escolas públicas de Joinville para falar sobre literatura. Mas a coisa cresceu, e literatura era apenas uma desculpa para começar o papo. E o tema que mais sensibilizava os alunos era o tal do bullying. É uma ferida aberta – e acredito que sempre vai estar aberta, até que as escolas tenham uma postura mais responsável e ativa sobre isso. Por isso, resolvi que ia me abraçar nesse tema e elaborar uma ferramenta para discussão nas escolas. Foi assim que “Menina Distraída” surgiu.

Fazendo um caminho inverso ao da Turma da Mônica (que agora narra as histórias dos seus personagens na fase adulta), você vai lançar a Menina Distraída. A nova personagem é a fase infantil da Garota Distraída? E o que a nova personagem tem da Vanessa Bencz?

Sim, trata-se de uma fase mais infantil da Garota Distraída. A protagonista, chamada Leila, tem 14 anos, treina kung fu, ama desenhar e vive com a cabeça no mundo da Lua. Eu coloquei na história muitos elementos da Vanessa; mas outros eu desenvolvi para deixar a história mais divertida e motivacional, sem deixar também de ser pura fruição. Eu resolvi abordar essa fase pré-adolescente da minha vida porque foi nela que ganhei muitas cicatrizes na minha auto estima. O professor que me chama de burra na frente de toda classe; o colega que se diverte com minhas provas rabiscadas de notas ruins. Tudo isso com certeza integra a minha personalidade hoje.


Personagens de "A Menina Distraída", que
utiliza o formato de HQ para falar de bullying
Você é formada e tem experiência em jornalismo, o que exige um tipo de linguagem específica, e acabou enveredando pela crônica literária. Agora, neste novo projeto, você está experimentando uma nova linguagem, que são os quadrinhos. Conta pra gente como é navegar por esses estilos e como foi parar nos quadrinhos.

Por muito tempo eu achei que estudar jornalismo deixou a minha voz narrativa meio quadrada. Hoje acho que não; considero que apenas abriu mais um espaço dentro de mim. Eu sempre me senti mais confortável escrevendo informalmente e com os coloridos elementos da literatura. E confesso que entender a linguagem dos quadrinhos está sendo um baita desafio. Faz seis meses que comecei a estudar, pesquisar, ler, treinar, pedir ajuda. Talvez seja cedo para confirmar, mas tenho a suspeita de que a narrativa visual está me encantando mais do que eu imaginei que aconteceria. Mesclar diálogos e narrativas junto ao desenho está sendo um processo apaixonante. Quando eu era criança, meu sonho era escrever e desenhar uma HQ. A coisa morreu na pré-adolescência e, desde então, havia desistido desse objetivo. Agora, sinto que estou passando por um processo parecido com um ciclo, parecido com aquele ditado popular “o mundo dá voltas”.

Voltando ao tema, podemos perceber que essa experiência em salas de aula e o convívio com as crianças influenciou bastante o trabalho. Como foi esse envolvimento com as crianças, da tua parte e da parte delas? E há histórias reais que serão contadas pela Menina Distraída?

Eu caí de paraquedas nesse lance de fazer bate-papo com as turmas. As professoras Mariza Schiochet e Jozi Fleck me convidaram em 2012 para conversar com as turmas. Fui sem expectativas. Tanto, que eu não sabia nem o quê ia falar com aqueles estudantes. Não tinha preparado nada. Lembro bem da primeira vez que conversei com uma turma. A turma foi chegando, bem barulhenta, e foi se sentando nas cadeiras da biblioteca pequena. Aos poucos foram silenciando e ficavam me olhando com curiosidade. Pensei: “e agora? O que eu falo para eles?” Percebi que eles estavam intimidados, porque fui apresentada como “a escritora”, “a jornalista”. Apelei para a empatia para eles se sentirem próximos de mim. Comecei a contar sobre como foi a minha trajetória como estudante. As notas baixas que tirei, as humilhações que passei. Eles ficaram muito interessados, fizeram muitas perguntas e quiseram conversar em particular comigo. Foi uma reação bem inesperada. As professoras gostaram tanto, que outras escolas ficaram sabendo e me chamaram para fazer a mesma atividade. Uma coisa bem recorrente era ser adicionada por esses estudantes no facebook. Eles vinham me contar as histórias deles. Diziam que por algum motivo sentiam confiança em mim. Ouvi histórias absurdas, revoltantes, que me fizeram perder o sono e a tranquilidade. Selecionei três histórias e as inseri na “Menina Distraída”, como se fossem dos colegas da protagonista.

Muita gente não aceita o "tal do bullying". Dizem que quando era crianças também enfrentavam gozação e hoje estão firmes e fortes. O que você acha sobre isso?

É verdade, ouvi muita gente falando que também viveu “zoações”, e que nem por isso se sentiam abaladas. Pelo contrário: alguns disseram até que havia sido saudável. Um amigo meu chegou a dizer que o tal do bullying deixava as pessoas mais fortes, com mais personalidade. Absurdo, né? Eu acho que existe um fenômeno de negação; algumas pessoas parecem não conseguir abrir a cabeça para entender e se sensibilizar. Eu acredito, sim, que a palavra foi banalizada. Qualquer coisinha já é diagnosticada como bullying. Mas não é bem assim: o bullying é uma agressão repetitiva, cruel, do mais forte para o mais fraco, e começa sem motivo nenhum. A pessoa ser gordinha, usar óculos, ter sardinhas ou ser negra já é “motivo” para que seja zoada até se sentir deslocada de todo um convívio. Meus amigos me mandaram depoimentos chocantes sobre isso. Alguns, como vítimas. Outros, como agressores arrependidos. O bullying, quando sobrevive e vai para as empresas, é chamado de assédio moral. E o assédio moral tem graves conseqüências, ele é o bully que não foi combatido.

O que você espera como resultado desse novo trabalho?

Em primeiro lugar, espero que os leitores – tanto os grandes como os pequenos – reflitam sobre o próprio comportamento. Espero que façam uma viagem de volta no tempo e lembrem do estudante que foram, de como viam o mundo, de como se relacionavam com as diferenças. Espero que pais e mães vejam esse trabalho e queiram mostrar para os filhos, dizendo: “olha só, essa menina foi vítima de bullying, sofreu poucas e boas, tirou notas baixas, falaram que ela não seria nada, e ela fez essa HQ muito maneira”. Eu espero, também, mobilização por parte das escolas. Quero que o professor, o coordenador, o diretor vejam o trabalho e pensem: “ótimo, agora temos mais um motivo para falar desse assunto”. Eu entendo que um bully não tem noção de que ele é um bully. Por isso, estruturei a história de uma maneira para que ele também se sinta acolhido e saiba que tudo passa.

Você pretende bancar o projeto por meio de financiamento coletivo online, que é uma forma recente de possibilitar a execução de projetos independentes. Por que optou por essa forma de financiamento?

Primeiro, porque eu não tenho dinheiro para bancar esse projeto sozinha. Segundo, porque não quero esperar o apoio de uma editora. Terceiro, porque eu sou imediatista. Eu poderia esperar o simdec – é o meu plano, se o Catarse não der certo. Mas quero tudo para ontem. Hehe! Foi a jornalista Amanda Miranda que me mandou uma matéria falando sobre financiamento coletivo e eu não me acalmei até estabelecer essa meta.

O foco é total na Menina Distraída ou você já está com novas ideias para desenvolver no futuro?
Estou com mil ideias. No momento, realmente a minha prioridade é produzir a “Menina Distraída” e realizar o desdobramento junto às escolas. Fora isso, estou com mais uma ideia de HQ, outra de livro e outra de um curta metragem.

Liste, por favor, cinco livros que foram fundamentais para você e que você recomenda aos nossos leitores.

Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Márquez
A Louca da Casa, da Rosa Montero
A Soma dos Dias, da Isabel Allende
O Filho Eterno, do Cristóvão Tezza
Maus, do Art Spiegelman



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